"Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar..."
Chico Buarque de Holanda
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"a nossa matéria são as 'pedras vivas', as pessoas, porque neste campo os verbos conjugam-se nas suas formas transitivas e pronominais: formar é formar-se" Antônio Nóvoa. Somos professora e alunos/as do Curso de Pedagogia da CNEC/Osório, companheiros na disciplina: FORMAÇÃO PEDAGÓGICA Este blog registra nossa trajetória coletiva, de 2008 até 2010, problematizando a formação de professores e resgatando as autobiografias como componentes de nossos saberes docentes.
nossa história de vida pode influenciar na forma como vamos atuar como professores?
Quem sou eu
- Professora Cecy
- Professora, apaixonada pela educação, levemente hiperativa, sempre estudante...
nossos instrumentos de trabalho
professor/a: voz, giz, saberes
O desafio de construir-me professora
"Não basta ir à escola. - É preciso aprender nela”
Bernard Charlot
Cecy Maria Martins Marimon Gonçalves1
Ao buscar o ingresso no Mestrado em Educação, vivenciei uma experiência única: a elaboração do memorial, uma aventura autobiográfica que permitiu-me, a partir de um certo distanciamento, analisar minha carreira de educadora com um olhar curioso e analítico. Na época, nada havia lido sobre o que Tardif denomina “saberes docentes”. No entanto, meu memorial mostrava uma trajetória de construção como professora, enriquecida a partir do aporte desses saberes de diferentes ordens e características distintas.
Compreendendo, como Nóvoa (1995), a importância dessa abordagem autobiográfica, especialmente levando em conta a impossibilidade de separação entre “o eu profissional e o eu pessoal”, pude então visualizar claramente como meu "modo de vida" determinou minha atuação profissional.
Nesse momento, sem o saber, pensei muito e escrevi sobre a questão colocada por Tardif (2002)
[...] Quais são os saberes que servem de base ao ofício de professor, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? [...] (TARDIF, 2002, p.9)
Buscando escrever minha história, rememorei-a desde a infância: filha de um agricultor e uma professora primária que atuava na zona rural, cresci entre livros e plantas... Aprendi a ler com meu pai, na soleira do galpão, numa página do “Correio do Povo”, quando tinha cinco anos. Aos dez anos, quando a necessidade determinou a mudança para a cidade, já havia lido tudo o que tínhamos na pequena estante, desde o “Paraíso Infantil” e o “Mundo da Criança” até a “Toutinegra do Moinho”, romance enorme, edição antiga, capa dura, que lia debaixo das árvores, no balanço de corda. Esse desejo de conhecer me acompanha até hoje, dando curso à minha atividade profissional.
Ao completar 15 anos, comecei a trabalhar na Faculdade local. Sem muitas alternativas, fui cursar Ciências de 1o Grau, nas Faculdades Unidas de Bagé, onde eu era auxiliar de protocolo e o pai, jardineiro. Até então, nada da vida de minha mãe como professora me estimulava a seguir sua profissão. Entretanto, ao ingressar numa sala de aula na periferia, quinta série, para fazer meu estágio, tudo mudou! Naquele instante, ao olhar aquela turma, decidi que seria professora.
Concluindo a faculdade, em 1981, de forma impetuosa e até inconseqüente, larguei o emprego, querendo ser professora. Em seguida, repetindo a história de minha mãe, iniciava minha carreira, com os primeiros anos de docência no interior do município. Levantar de madrugada, caminhar dois quilômetros após a viagem de ônibus, tomar café com os alunos na escola, tudo era motivo de aprendizagem. Eu era a professora! Compartilhar com os olhinhos brilhantes daqueles filhos de colonos as primeiras descobertas científicas, auxiliá-los a compreender a matemática, como instrumento de uso diário, eram experiências novas e instigantes. Viajei dois anos carregando essas esperanças e possibilidades!
Penso que, nesse momento, os saberes da experiência pessoal, da convivência familiar, embora de forma implícita e não intencional pautaram minha atuação, auxiliando-me nesse desafio de tornar-me professora.
Casei, mudei de cidade, tive filhos, concluí a habilitação em Matemática e continuei a dar aulas. Nesse período, impelida pela constante busca de formação continuada, capacitei-me no atendimento a deficientes visuais, em informática educativa, atuando tanto na alfabetização em Braille, quanto no Ensino Fundamental e Médio.
Mais tarde, a partir da experiência como Supervisora Escolar e Diretora de Escola, participei de movimentos pela criação da Universidade Estadual e pela instalação de uma unidade em Alegrete. Não consegui ficar ao largo dessa conquista! Prestei vestibular em 2001 e fui aprovada. Que bela experiência! A sensação de fazer parte de uma Universidade em implantação, a participação na construção dessa identidade de UERGS, a troca de experiências, a aprendizagem, a curiosidade epistemológica despertada e atendida configuraram uma experiência nova e enriquecedora.
O currículo da Universidade problematizou muitas das minhas convicções, tanto como professora quanto como administradora escolar. Outros olhares entrecruzaram-se, redimensionando a prática. Muitas das minhas opiniões revelaram-se “saber só de experiência feito” e, ao serem confrontados com a teoria, ganharam novo significado.
Nesse sentido, observo a estreita relação entre os conhecimentos acadêmicos com os saberes da experiência, advindos da prática profissional, conforme aponta Tardif (2002) A convivência com tão expressiva heterogeneidade de saberes, especialmente nesta etapa de formação, coaduna-se com o destaque dado por Tardif (2002), ao afirmar que os saberes da experiência “surgem como núcleo vital do saber docente, a partir do qual o(a)s professor(a)s tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Nesse sentido os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, "polidos" e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido.”
A experiência dessa formação continuada certamente contribuiu para a retradução desses saberes. Então, os “conhecimentos técnicos, de saberes da ação, de habilidades de natureza artesanal, adquiridas através de uma longa experiência de trabalho” puderam ser confrontados com a produção acadêmica e ressignificados.
Compreendo, a partir do que essa vivência autobiográfica ensejou, que minha formação docente não pode ser creditada apenas aos conhecimentos acadêmicos. Os diferentes saberes que estão proporcionando a consecução desse desafio – tornar-me professora – dão mostras do inacabamento dessa formação.
Nesse percurso formativo, nunca me afastei da escola. Esse encanto pela profissão de educadora, essa forma amorosa de questionar a escola me fez buscar a compreensão do nosso jeito de dar aulas, o “como se aprende”, o “como se ensina”, que políticas públicas interferem em nossa ação pedagógica e de que forma determinam trajetórias. Levou-me a olhar o “outro” como legítimo “outro”, enxergando as diferenças individuais não como ingredientes de discriminação, mas como constituintes da riqueza da escola.
No período de estudos de Mestrado, comecei a trabalhar na FACOS, como professora substituta. Experiência que reforçou meu desejo de vir morar no litoral, concretizado em 2008, quando assumi a Coordenação Pedagógica do Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval, paralelo à atuação como professora no Curso Normal e Faculdade de Pedagogia da CNEC/Osório.
Ao chegar próximo aos trinta anos de atuação profissional como professora, revitalizada pela continuidade dos estudos, sou desafiada à formação de professores e, a cada novo grupo de alunos que me é apresentado, sinto-me oxigenada e instigada a persistir. A partir de minha história de vida como estudante e professora, venho buscando a apropriação e a construção de saberes que ajudem a pensar uma escola para novos tempos.
Guimarães Rosa afirmou, poeticamente, que “o importante e bonito no mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas estão sempre mudando”.
Os diferentes âmbitos de atuação, familiar, social, educacional (quer como docente ou como discente), vão dando conta dessa “terminação”. Ainda não posso dizer que o desafio está alcançado.
1 Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia Social, Mestre em Educação pela PUCRS
Bernard Charlot
Cecy Maria Martins Marimon Gonçalves1
Ao buscar o ingresso no Mestrado em Educação, vivenciei uma experiência única: a elaboração do memorial, uma aventura autobiográfica que permitiu-me, a partir de um certo distanciamento, analisar minha carreira de educadora com um olhar curioso e analítico. Na época, nada havia lido sobre o que Tardif denomina “saberes docentes”. No entanto, meu memorial mostrava uma trajetória de construção como professora, enriquecida a partir do aporte desses saberes de diferentes ordens e características distintas.
Compreendendo, como Nóvoa (1995), a importância dessa abordagem autobiográfica, especialmente levando em conta a impossibilidade de separação entre “o eu profissional e o eu pessoal”, pude então visualizar claramente como meu "modo de vida" determinou minha atuação profissional.
Nesse momento, sem o saber, pensei muito e escrevi sobre a questão colocada por Tardif (2002)
[...] Quais são os saberes que servem de base ao ofício de professor, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? [...] (TARDIF, 2002, p.9)
Buscando escrever minha história, rememorei-a desde a infância: filha de um agricultor e uma professora primária que atuava na zona rural, cresci entre livros e plantas... Aprendi a ler com meu pai, na soleira do galpão, numa página do “Correio do Povo”, quando tinha cinco anos. Aos dez anos, quando a necessidade determinou a mudança para a cidade, já havia lido tudo o que tínhamos na pequena estante, desde o “Paraíso Infantil” e o “Mundo da Criança” até a “Toutinegra do Moinho”, romance enorme, edição antiga, capa dura, que lia debaixo das árvores, no balanço de corda. Esse desejo de conhecer me acompanha até hoje, dando curso à minha atividade profissional.
Ao completar 15 anos, comecei a trabalhar na Faculdade local. Sem muitas alternativas, fui cursar Ciências de 1o Grau, nas Faculdades Unidas de Bagé, onde eu era auxiliar de protocolo e o pai, jardineiro. Até então, nada da vida de minha mãe como professora me estimulava a seguir sua profissão. Entretanto, ao ingressar numa sala de aula na periferia, quinta série, para fazer meu estágio, tudo mudou! Naquele instante, ao olhar aquela turma, decidi que seria professora.
Concluindo a faculdade, em 1981, de forma impetuosa e até inconseqüente, larguei o emprego, querendo ser professora. Em seguida, repetindo a história de minha mãe, iniciava minha carreira, com os primeiros anos de docência no interior do município. Levantar de madrugada, caminhar dois quilômetros após a viagem de ônibus, tomar café com os alunos na escola, tudo era motivo de aprendizagem. Eu era a professora! Compartilhar com os olhinhos brilhantes daqueles filhos de colonos as primeiras descobertas científicas, auxiliá-los a compreender a matemática, como instrumento de uso diário, eram experiências novas e instigantes. Viajei dois anos carregando essas esperanças e possibilidades!
Penso que, nesse momento, os saberes da experiência pessoal, da convivência familiar, embora de forma implícita e não intencional pautaram minha atuação, auxiliando-me nesse desafio de tornar-me professora.
Casei, mudei de cidade, tive filhos, concluí a habilitação em Matemática e continuei a dar aulas. Nesse período, impelida pela constante busca de formação continuada, capacitei-me no atendimento a deficientes visuais, em informática educativa, atuando tanto na alfabetização em Braille, quanto no Ensino Fundamental e Médio.
Mais tarde, a partir da experiência como Supervisora Escolar e Diretora de Escola, participei de movimentos pela criação da Universidade Estadual e pela instalação de uma unidade em Alegrete. Não consegui ficar ao largo dessa conquista! Prestei vestibular em 2001 e fui aprovada. Que bela experiência! A sensação de fazer parte de uma Universidade em implantação, a participação na construção dessa identidade de UERGS, a troca de experiências, a aprendizagem, a curiosidade epistemológica despertada e atendida configuraram uma experiência nova e enriquecedora.
O currículo da Universidade problematizou muitas das minhas convicções, tanto como professora quanto como administradora escolar. Outros olhares entrecruzaram-se, redimensionando a prática. Muitas das minhas opiniões revelaram-se “saber só de experiência feito” e, ao serem confrontados com a teoria, ganharam novo significado.
Nesse sentido, observo a estreita relação entre os conhecimentos acadêmicos com os saberes da experiência, advindos da prática profissional, conforme aponta Tardif (2002) A convivência com tão expressiva heterogeneidade de saberes, especialmente nesta etapa de formação, coaduna-se com o destaque dado por Tardif (2002), ao afirmar que os saberes da experiência “surgem como núcleo vital do saber docente, a partir do qual o(a)s professor(a)s tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Nesse sentido os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, "polidos" e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido.”
A experiência dessa formação continuada certamente contribuiu para a retradução desses saberes. Então, os “conhecimentos técnicos, de saberes da ação, de habilidades de natureza artesanal, adquiridas através de uma longa experiência de trabalho” puderam ser confrontados com a produção acadêmica e ressignificados.
Compreendo, a partir do que essa vivência autobiográfica ensejou, que minha formação docente não pode ser creditada apenas aos conhecimentos acadêmicos. Os diferentes saberes que estão proporcionando a consecução desse desafio – tornar-me professora – dão mostras do inacabamento dessa formação.
Nesse percurso formativo, nunca me afastei da escola. Esse encanto pela profissão de educadora, essa forma amorosa de questionar a escola me fez buscar a compreensão do nosso jeito de dar aulas, o “como se aprende”, o “como se ensina”, que políticas públicas interferem em nossa ação pedagógica e de que forma determinam trajetórias. Levou-me a olhar o “outro” como legítimo “outro”, enxergando as diferenças individuais não como ingredientes de discriminação, mas como constituintes da riqueza da escola.
No período de estudos de Mestrado, comecei a trabalhar na FACOS, como professora substituta. Experiência que reforçou meu desejo de vir morar no litoral, concretizado em 2008, quando assumi a Coordenação Pedagógica do Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval, paralelo à atuação como professora no Curso Normal e Faculdade de Pedagogia da CNEC/Osório.
Ao chegar próximo aos trinta anos de atuação profissional como professora, revitalizada pela continuidade dos estudos, sou desafiada à formação de professores e, a cada novo grupo de alunos que me é apresentado, sinto-me oxigenada e instigada a persistir. A partir de minha história de vida como estudante e professora, venho buscando a apropriação e a construção de saberes que ajudem a pensar uma escola para novos tempos.
Guimarães Rosa afirmou, poeticamente, que “o importante e bonito no mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas estão sempre mudando”.
Os diferentes âmbitos de atuação, familiar, social, educacional (quer como docente ou como discente), vão dando conta dessa “terminação”. Ainda não posso dizer que o desafio está alcançado.
1 Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia Social, Mestre em Educação pela PUCRS
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